Emoção domina audiência pública sobre o caso Panair - CNV - Comissão Nacional da Verdade
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A Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão temporário criado pela Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, encerrou suas atividades em 10 de dezembro de 2014, com a entrega de seu Relatório Final. Esta cópia do portal da CNV é mantida pelo Centro de Referência Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional.

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Quarta, 27 de Março de 2013 às 17:31

Emoção domina audiência pública sobre o caso Panair

cnv 23032013 panairFuncionários e parentes dos controladores da companhia aérea impedida de voar pela ditadura, em 1965, contaram o que viveram à Comissão da Verdade

A "saudade dos aviões da Panair", mencionada no título da canção de Milton Nascimento e Fernando Brant, foi vivida intensamente na manhã do último sábado (23), na audiência pública realizada no Rio de Janeiro pela Comissão Nacional da Verdade sobre o caso da empresa, que teve as linhas cassadas pela ditadura em fevereiro de 1965, subsidiárias invadidas militarmente e a falência decretada pela Justiça da época logo depois, mesmo com dinheiro em caixa.

Os depoimentos e dados colhidos na audiência pública alimentarão nova linha de investigação da Comissão que integrará o caso Panair ao grupo temático Golpe de 64, que investiga as razões, o contexto e os momentos iniciais da ditadura de 64-85 no Brasil. O colegiado já apurava o papel de empresários no apoio e o financiamento ao golpe no GT Estrutura da Repressão e agora busca também informações sobre empresas como o Panair, perseguidas pelo regime.

Familiares dos controladores e do presidente da empresa à época da destituição das linhas pela ditadura e ex-funcionários da Panair prestaram depoimentos emocionados à Comissão. Além da saudade, a ansiedade estava presente. No início do evento, antes de a palavra ser aberta, irrompeu no teatro o ex-comissário da Panair, Cláudio José de Matos de Araújo, o Sideral, pedindo que não se esquecessem dos 18 funcionários e outros membros da "família Panair" que se mataram na esteira do fechamento da empresa.

Para Rosa Cardoso, membro da Comissão Nacional da Verdade e coordenadora do GT Golpe de 64, responsável pelo caso, a verdade do caso Panair já é conhecida e extensamente vivenciada por suas vítimas e familiares. "Trata-se agora de compartilhá-la com a sociedade brasileira", afirmou.

Para Rodolfo da Rocha Miranda, presidente da Panair do Brasil, e autor da petição que levou a abertura do caso pela CNV, seu pai, Celso da Rocha Miranda e Mario Wallace Simonsen, controladores da companhia aérea, "sofreram tenaz perseguição por não se identificarem com o regime ditatorial". Ambos apoiavam o ex-presidente Juscelino Kubitschek, potencial candidato à presidência na sucessão de João Goulart.

Somente em 1995, 30 anos após ter sido proibida de voar pelo regime, a Panair conseguiu, no STF, reverter o processo de falência imposto pela ditadura. Até hoje, a Panair move ações indenizatórias por conta da expropriação de três aeroportos. Ano passado, com a lei de acesso à informação, Miranda pediu tudo sobre a Panair e seu pai ao Arquivo Nacional e encontrou novos documentos, que instruem a documentação entregue por ele à Comissão da Verdade.

Filha de Mario Wallace Simonsen, Marylou Simonsen contou que no dia em que seu pai morreu, poucos dias após o fechamento da Panair, ela havia dito para ele que nunca mais voltaria ao Brasil, mas "ele olhou nos meus olhos, segurou minhas mãos e disse para que eu amasse o Brasil, pois os homens passam, mas o Brasil fica", contou, emocionada. "Quem sabe, com a Comissão da Verdade, essas nuvens vão embora e o sol volte a brilhar", concluiu.

OUTRO PREJUÍZO - Maria Pia da Rocha Miranda leu o depoimento do marido, Plácido, irmão de Celso, que lembrou como a ditadura prejudicou também a Ajax, corretora de seguros dos Miranda e a maior do país na época, por meio de legislações que inviabilizaram o empreendimento.

Luiz Paulo Sampaio, filho de Paulo Sampaio, que presidia a empresa em 1965, quando a Panair foi impedida de voar, disse que ninguém ficaria mais feliz do que seu pai por ver um evento como a audiência, "mas, infelizmente, ele morreu em 1992, antes do término da batalha judicial".

Ex-aeromoça da Panair, a advogada Carola Gudin, viúva do comandante Cid Prado, que foi chefe de instrução da companhia, era parente de civis que apoiaram o golpe militar, como seu tio, Eugênio Gudin, que foi ministro da Fazenda no governo Café Filho. "Essa incessante perseguição teria que ir até o final, diziam, mas eles (os golpistas) não sabiam que a família Panair persistiria, anos depois, com lágrimas nos olhos, mas de pé. Espero que reconheçam esse erro enorme, essa injustiça incomensurável que fizeram contra nós".

O advogado Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça, não pode comparecer devido a problemas de saúde. Entretanto, seu depoimento foi gravado pelo cineasta Ricardo Pinto e Silva, que prepara um documentário sobre Mario Wallace Simonsen, e exibido no evento. Para o jurista, o fechamento da Panair resultou de alguns fatores, entre eles: o desejo da Ditadura de acabar com o predomínio de Simonsen no mercado do café e o fato de Celso da Rocha Miranda ser malvisto por ser amigo de JK.

O jornalista Daniel Leb Sasaki resumiu a pesquisa que fez nos volumes dos processos judiciais movidos pela direção da Panair para salvar os direitos da empresa. O trabalho resultou no livro "Pouso Forçado: a história por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar", que conta detalhes das articulações do governo para impedir a companhia de voar.

Segundo o livro, a empresa era a maior companhia aérea do Brasil na época, não em número de aviões, mas em patrimônio, o que incluia aeroportos, a única insfraestrutura de telecomunicações aeronáuticas do país, que atendia inclusive o governo e a aviação internacional, e a maior e mais avançada oficina de retífica de motores de aviões no Hemisfério Sul, a Celma, invadida por militares no mesmo dia da cassação da Panair e depois desapropriada por decreto. Confira a apresentação de Sasaki aqui.

No mesmo bloco que Daniel, os historiadores Heloisa Starling (CNV / UFMG) e José Murilo de Carvalho (UFRJ) teceram, respectivamente, painéis sobre a relação entre civis que apoiaram o golpe e o contexto e as razões que levaram os militares a tomar o poder.

CRIMES - "Com esta audiência pública queremos tornar o caso Panair mais divulgado, fazendo com que nossa sociedade visualize a extensão dos direitos que a ditadura violou", afirmou Rosa Cardoso. Segundo a integrante da CNV, as violações de direitos sofridas pela Panair, seus controladores e funcionários podem ser caracterizadas como crimes e ilícitos cíveis, mesmo na legislação da época, entretanto os crimes prescreveram. "Não prescreveu, entretanto, a indignação da família Panair contra o que violaram seus direitos e tentaram denegrir sua imagem", afirmou em seu discurso de abertura da audiência.

O coordenador da CNV, Paulo Sérgio Pinheiro, lembrou em seu discurso o papel pioneiro da Panair na aviação do Brasil e apontou a contradição entre o que apregoava o regime, que afirmava defender o Brasil como potência, mas determinou o fechamento de sua maior companhia aérea. Para Pinheiro, é preciso "entender as relações entre os militares golpistas e o empresariado nacional" e "compreender que interesses sustentaram a perseguição a certas empresas e empresários e quem se beneficiou destas práticas ilegais". Ele encerrou sua fala citando um verso da canção de Milton Nascimento mencionada acima: "Descobri que minha arma é o que a memória guarda dos tempos da Panair".

Wadih Damous, presidente da Comissão Estadual da Verdade (RJ), disse que o foco da atuação do grupo em relação ao caso Panair será pesquisar como foi a atuação da Justiça e do MP no processo. Elementos já trazidos à CNV apontam a constante interferência do regime no processo, inclusive com uma visita pessoal do ministro Eduardo Gomes ao juiz da falência da Panair.

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