Ex-presos reconhecem locais em que funcionaram o Doi-Codi e o DOPS, no Recife - CNV - Comissão Nacional da Verdade
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A Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão temporário criado pela Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, encerrou suas atividades em 10 de dezembro de 2014, com a entrega de seu Relatório Final. Esta cópia do portal da CNV é mantida pelo Centro de Referência Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional.

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Quarta, 15 de Outubro de 2014 às 14:24

Ex-presos reconhecem locais em que funcionaram o Doi-Codi e o DOPS, no Recife

osquatroNa véspera, CNV e Comissão Dom Hélder (PE) colheram depoimento de ex-coronel da PM que serviu no DOI e confirmou a existência de tortura

Ex-presos políticos convidados pela Comissão Nacional da Verdade e pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara (CEMVDHC), de Pernambuco, reconheceram instalações que serviram como locais de prisão e tortura de presos políticos durante a ditadura militar em diligências realizadas por ambas as comissões nos locais em que funcionaram a Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) de Pernambuco e o Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) do IV Exército, no bairro de Boa Vista, na região central da cidade.

As diligências ocorreram ontem de manhã, no Recife, e contaram com as presenças dos membros de ambas as comissões, vítimas de graves violações de direitos humanos e militantes de direitos humanos do Estado, além de autoridades estaduais e militares. Segundo dados levantados pela CNV, seis pessoas morreram e 10 desapareceram em ações envolvendo agentes do DOPS e do DOI-Codi do Recife.

O primeiro local visitado foi o DOPS, que ocupava os fundos de dois prédios históricos na rua da Aurora, no Recife. Em 1996, o local foi demolido com o apoio dos militantes de direitos humanos do Estado. Entretanto, os ex-presos não tiveram dificuldades em identificar uma estrutura do atual prédio da Associação dos Delegados de Pernambuco e algumas celas do Denarc, ambos na rua da União, como parte do complexo de prisão e tortura mantido pela Polícia Civil do Estado na época.

As celas do hoje Denarc, segundo Amparo Araújo, que já foi ouvidora da PM de Pernambuco, segundo monografias escritas por ex-policiais da época, também faziam parte do complexo repressivo. Testemunhas indicam também o local como uma das cadeias usadas. "Quando o DOPS ficava cheio, muita gente era trazida pra cá", afirmou o ex-preso Edval Nunes, o Cajá, preso em 1978 por agentes do DOPS.

Cajá e José Adeildo Ramos reconheceram um pedaço do prédio da Associação dos Delegados como uma antiga ala de celas do DOPS, interligadas por uma passarela ao prédio principal, já demolido.

 

HORROR – A diligência no Doi-Codi contou com momentos de emoção. Os ex-presos políticos tiveram dificuldade em reconhecer os locais devido às reformas, demolições e novas construções erguidas no local, mas isso não impediu que as lembranças do horror viessem à tona nos corações e mentes de quatro ex-presos políticos, que lá foram presos e torturados em diferentes períodos entre os anos de 1972 e 74: Marcelo Mesel, Alanir Cardoso, Lilia Gondim e José Adeildo Ramos.

Cardoso contou que ficou dois dias sem comida e água. "Em vez disso, encheram minha boca de sal. E depois do sal, me deram urina para beber", disse.

Lilia Gondim disse que, apesar das mudanças na área em que funcionou o Doi-Codi, com a reforma de alguns imóveis e a demolição de outros, é possível reconhecer o local, apesar de ter ficado de capuz o tempo todo.

Ela foi presa em outubro de 1972 e afirma ter sido presa numa cela no andar térreo, mas que era torturada, com choques numa sala um andar da cima, pela qual ela subia por uma escada.

Assim que notou uma escada externa em um dos imóveis do complexo, ela imediatamente pediu para ir ali e reconheceu o local. Ele reconheceu um quintal nos fundos de um dos imóveis percorridos pela CNV como o local em que ficou preso com os pulsos para cima, presos em argolas fixadas na parede.

A mesma área foi reconhecida por Mesel, preso ali em 73. "Era aqui", disse, repetindo no mesmo momento o gesto, levantando os punhos pra cima e encostando na parede. "O lugar era descoberto, pois, mesmo encapuçados, a gente sabia que estava debaixo do sol, quando levantávamos os olhos por dentro do capuz", disse.

Assista o vídeo desse momento da diligência: https://www.youtube.com/watch?v=PtWkfy19-fo

Lilia Gondim indicou "com quase certeza" uma sala no piso superior de um imóvel nos fundos do prédio onde hoje funcionam a Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra e uma agência da Poupex, cooperativa financeira ligada ao Exército. Ela relembrou do local ao ver uma escada, antes externa, coberta por concreto e pediu imediatamente para ir para lá.

Lilia chorou ao lembrar que as presas ficavam o tempo todo nuas ou seminuas. "Era uma indignidade".

Ramos foi preso em 18 de setembro de 1972 em Vitória de Santo Antão (PE). Ele participou tanto das diligências no DOI, quanto no DOPS, pois foi torturado no primeiro e teve sua prisão legalizada no segundo em 13 de janeiro de 1973.

No Doi, Ramos viu Fernando Augusto Valente da Fonseca, o Fernando Sandália, ser torturado até a morte. "Ele teve as mãos algemadas na grade da sala de tortura. Os torturadores sabiam que ele tinha um grave problema nos rins e após os golpes, ele passou a mijar sangue. Ele pediu socorro, mas não foi atendido. Posteriormente, foi divulgada a falsa versão de que Fernando foi morto em tiroteio e que o carro em que estava pegou fogo em seguida.

Depois, no DOPS, no período em que esteve preso, a estudante Anatália de Sousa Alves Melo, foi assassinada por agentes daquela delegacia. Ele foi obrigado a ver o corpo dela num banheiro daquela delegacia. "Disseram que ela havia se enforcado e ateado fogo na própria saia. Não teria como alguém se matar daquela maneira", disse.

O caso de Anatália foi solucionado pela Comissão da Verdade de Pernambuco, que comprovou que a versão oficial para a morte era inverossímil e que ela foi torturada e estuprada, motivo de seu corpo ter sido parcialmente queimado.

Saiba mais sobre os depoimentos no álbum de fotos da diligência, no Facebook da CNV:
https://www.facebook.com/media/set/?set=a.722605414499950.1073741978.340384002722095&type=1

 

AUDIÊNCIA – As descrições feitas pelos ex-presos políticos coincidem com o depoimento do ex- coronel reformado da Polícia Militar de Pernambuco, José Carlos Acampora de Paula Machado, que testemunhou na véspera, em audiência conjunta realizada pela CNV e pela Comissão Dom Hélder em Olinda.

Ele apontou, num telão, o imóvel usado hoje pela Poupex, na rua do Hospício, como o local no qual, segundo ele, funcionou a sede do Doi-Codi, ligado por corredores ao antigo quartel do IV Exército, hoje área do Hospital Militar.

Ele disse que as celas e as salas de tortura funcionavam em edificações nos fundos da sede. Acampora admitiu que houve tortura no Doi, mas disse que era um policial envolvido com capturas e negou que tenha torturado, apesar de admitir ter sido treinado pelo Exército a torturar. "Havia tortura, sim, mas eu não participava", disse ele.

Acampora afirmou ter sido cedido ao Exército para atuar no DOI por meio de ato assinado pelo tenente-coronel reformado Joaquim Gonçalves Vilarinho Neto, que comandou a PM pernambucana entre 1971 e 1973.

Vilarinho Neto também prestou depoimento à CNV na audiência de segunda-feira (13/10), mas negou envolvimento com graves violações de direitos humanos. Ele não reconheceu documento assinado por ele no qual mandava para o Doi-Codi o pernambucano Manoel Lisboa, onde o preso foi torturado e morto.

Vilarinho negou envolvimento com tortura. "Não compactuei com essas práticas de tortura, me afastei das pessoas que faziam e criei desafetos por isto. Fui amigo de Dom Helder e quem conhecia Dom Helder sabia que ele não era amigo de torturadores", argumentou.

O coordenador da CNV, Pedro Dallari, afirmou que os objetivos da CNV no Recife foram plenamente atingidos, tanto pelo teor dos depoimentos da audiência, quanto nas diligências. A audiência do Recife foi a última com a presença da maioria dos membros da CNV com o objetivo de instruir o relatório da Comissão. De agora até novembro, a CNV se concentrará na confecção do relatório final, que será entregue no dia 10 de dezembro à presidenta Dilma Rousseff.

A exceção será a realização de algumas diligências e tomadas de depoimentos que serão realizadas em parceria com outras comissões, cujo mandato continua.

No final desta semana, 17/10, Maria Rita Kehl, pesquisadores do tema e membros do MPF local tomam depoimentos de índios da etnia Terena, em Aquidauana. Dia 21 de outubro, a CNV realiza no Rio de Janeiro a diligência de reconhecimento da Ilha das Flores, área da Marinha que serviu de prisão e tortura. E, no dia 23, em Curitiba, assessores e pesquisadores da CNV participam de depoimentos que serão colhidos pela Comissão da Verdade do Paraná.

 

MEMORIAL – Durante a diligência no DOPS, a CNV participou de uma apresentação realizada pela secretaria de Justiça e Cidadania de Pernambuco que erguerá no prédio do Denarc, na rua da União, o Memorial da Democracia.

O memorial contará com salas multimídia para registrar memórias das mais de 300 lutas por Liberdade, Justiça e Democracia que contaram com a participação de pernambucanos ao longo da história brasileira e trará, claro, o papel dos pernambucanos na resistência às duas ditaduras mais recentes de nossa história, o período Vargas e a ditadura militar.

Na abertura da apresentação, o delegado chefe da Polícia Civil de Pernambuco, Osvaldo Morais, disse estar orgulhoso da presença das comissões da verdade nas dependências policiais e disse que incentivou a cessão do prédio do Denarc para a construção do memorial: "Fazemos uma polícia não apenas comprometida com o combate ao crime, mas também com a memória e a verdade", afirmou.

"Não me constrange nem um pouco a visita da CNV e da Comissão Dom Hélder", disse o delegado. "E o fato de podermos pedir desculpas pelos erros que não cometemos e não vivenciamos é muito bom", afirmou o delegado, que ingressou na Polícia Civil em 1998 e é chefe da polícia pernambucana desde 2012.

Pedro Dallari, coordenador da CNV, pediu a palavra logo após a apresentação e disse que o momento vivido pela CNV em Pernambuco era uma síntese. Ele afirmou que projetos como o apresentado merecem todo o apoio da Comissão Nacional da Verdade que, em suas recomendações, pedirá apoio a iniciativas como a pernambucana.

"Para que as graves violações de direitos humanos nunca mais aconteçam é preciso memória e reconciliação. Por isso que a CNV insiste que as Forças Armadas reconheçam as graves violações cometidas no passado. É reconhecendo os erros que avançamos", afirmou.

 

Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação

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